quinta-feira, 26 de agosto de 2010

RETIRADA ESTRATÉGICA

Tendo feito o concurso do fisco para agente arrecadador, eis que a politica fazendária do governo, ainda na minha primeira década como funcionário público, resolve tirar todo o pessoal concursado para o fisco das então coletorias, e incrementar a fiscalização de trânsito. Embora isso tenha causado muitas reclamações, a medida com o passar dos anos se mostrou mais do que correta, não se justificando um hoje auditor ser utilizado em locais que muitas vezes não arrecadava nem para pagar o seu salário.
De uma hora para outra então me vejo no comando volante, nesse mister atuando muitas vezes com uma competentissima e eficiente dupla: Antonio Martins e Paulo Assakazo, assim não tendo naquela região da delegacia fiscal de Goiás um só estrada de terra, intermunicipal, que não a conheçamos bastante bem.
E foi numa delas que certa madrugada, estando apenas dois, Antonio Martins e Eu, portanto uma espingarda escopeta calibre 12, que ao abordarmos um caminhão carregado de feijão e, à luz faróis do nosso veículo, verificando minuciosamente a nota fiscal(preenchida à mão, o que era bastante habitual naqueles tempos), percebemos que ela tinha todos os indicios de uma adulteração, pois embora nela constasse a quantidade correta dos sacos de feijão, duzentos e cinquenta, tudo indicava que os últimos zeros de quantidade e valores teriam sido colocados posteriormente.
Como nos achávamos próximos do então povoado de Guaraita, onde fora emitida a nota fiscal por um servidor municipal conveniado e ali residente, nos deslocamos para lá para fazer o cotejo da primeira via que acompanhava o feijão e as demais que serviriam para a prestação de contas. Não deu outra, pois nas vias em poder do servidor a quantidade e os valores se referiam apenas a vinte cinco sacos de feijão.
Constatada a fraude nos encaminhamos juntamente com os tres ocupantes do caminhão, para a sede do municipio, Itapuranga, onde eu e o Antonio Martins na delegacia de policia narramos a ocorrencia para o sargento de plantão e lhe pedimos que adotasse as providencias frente ao flagrante, tendo ele retido as tres pessoas ali para que, no dia seguinte, fossem adotadas as medidas cabíveis.
A coletoria era, e ainda deve ser, bem em frente à delegacia de policia, portanto logo nas primeiras horas do novo dia lá estavámos, aguardando a chegado de policiais da DOT – delegacia de crimes contra a ordem tributária, que se deslocariam daqui de Goiania para conduzir, os já presos, a fim de aqui prestarem os depoimentos devidos, isso só tendo se dado depois das quatorze horas. Do nosso bem situado campo de visão e por ser durante o dia, tivemos a oportunidade de observar bem os tres autores da fraude, sendo que um deles chamava mais a atenção pela corpulencia e grande estatura o que, inclusive dificultou muito o seu embarque na traseira de uma Elba, o veículo utilizado pela DOT.
Tendo concluido o que nos cabia, que é a constituição do crédito tributário através da lavratura do auto de infração e o seu devido encaminhamento, logo logo nos esquecemos do assunto. Passados uns dois meses, estando eu sozinho por aquelas mesmas empoeiradas estradas, ao passar por Guaraita, por estar fazendo muito calor estacionei a viatura à porta de um boteco e nele adentrei para beber um refrigerante. Assim que cheguei ao balcão, já pronunciando o meu pedido de uma coca cola, eis que levanta uma imensa figura e me encara com um misto de sentimentos que eu não pude decifrar, talvez de raiva ou ódio.
Á minha frente eis que está o mesmo grandalhão que, por ação minha e do Antônio Martins, fora embarcado preso e desajeitamente no porta malas de um veículo, fato que por certo do qual não se esqueceu e nem se esquecerá tão fácil.
Foi só o prazo de balbuciar um “opa, parece que esqueci a carteira lá em casa, não vou querer a coca não.Obrigado” e me bater em retirada mais do que rapidamente, sem olhar para tras.

José Domingos

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